janeiro 20, 2008

La Sapienza

Sobre a (não) ida do Papa à Universidade La Sapienza em Roma, parece-me menos relevante a questão da liberdade de expressão do Papa do que a fundamentação apresentada no protesto. Deixo também de lado a apreciação do cancelamento por parte do Papa porque não tenho quase nenhuma informação sobre as suas causas.

Ora, seguindo o link do post do De Rerum Natura, verifico que se dá uma grande importância ao facto do cardeal Ratzinger ter citado em 1990 um autor, Feyerabend, que terá dito: «Na altura de Galileu, a Igreja mostrou ser mais fiel à razão que o próprio Galileu. O julgamento contra Galileu foi razoável e justo».

Quem já tiver lido mais do as peças de propaganda sobre Galileu saberá que, mesmo podendo-se discordar desta frase, há incerteza histórica suficiente para não a rejeitar liminarmente.

Mas vale a pena ir um pouco mais longe e procurar o texto original de Ratzinger. Encontra-se na net um excerto com esta passagem.

Do que li percebi que Ratzinger refere que a resistência da natureza à manipulação pelo homem introduz um elemento novo na situação cultural e dá (entre outros) um exemplo concreto que é o facto de um folósofo agnóstico-céptico como Feyerabend ter escrito aquela frase.

Não há dúvidas que Ratzinger desafia eticamente a ciência e os cientistas. Mas este é o papel dos filósofos, dos religiosos e de todos nós. A ciência em si própria não tem, nem tem que ter, uma componente ética sobre a sua aplicação. Quem a tem que ter são os cientistas e todas as pessoas em geral.

A utilização desta frase na carta dos 67 professoras de La Sapienza sugere-me três explicações (não mutuamente exclusivas): - uma abordagem tremendamente superficial de um discurso de Ratzinger (absolutamente incompatível com o espírito académico que dizem defender); - uma resistência a quem os desafia eticamente; - uma reacção pelo facto de Ratzinger denunciar que há filósofos não religiosos que, num caso tão emblemático como o de Galileu, reconhecem que a Igreja enquanto instituição podrá ter feito mais apelo à razão do que o próprio Galileu.

Em qualquer dos casos a carta dos 67 professores parece estar mais ao nível de um panfleto político (de algum daqueles partidos portugueses com menos de 5000 filiados) do que ao nível de um documento em que um conjunto de professores universitários defende fundamentadamente o nível académico da sua Universidade.

10 Comments:

Blogger Orlando said...

Calro que a questão da liberdade de expressão não se põe. O papa só não falou porque não quiz. Embora não seja isso que se ouve por aí.
Ratzinger cita pessoas e depois diz que não foi ele que disse essas coisas. Só os citou, não quer dizer que concorde com eles. Isso não é sério.

A partir daí analisar o que ele disse ou deixou de dizer é quase irrelevante. O que é importante é o que ele representa.

As manifestações contra Ratzinger são em tudo semelhantes às manifestações contra Bush, os G's, etc.

Já agora: quem se comportou como a igreja o fez durante séculos não tem direito moral ou intelectual a falar de subtilezas e lançar desafios. Deixam passar cinquenta anos de terem "reabilitado" Galileu e depois a gente fala.

É claro que a carta é um panfleto político! desde quendo é que isso é mau? E os actos do Papa, não são actos políticos?

Este post não é um acto político?

21/1/08 15:35  
Blogger CA said...

On

"Ratzinger cita pessoas e depois diz que não foi ele que disse essas coisas. Só os citou, não quer dizer que concorde com eles. Isso não é sério."

É sério porque Ratzinger faz exactamente o que diz que quer fazer: chamar a atenção para o que disse Feyerabend.

"A partir daí analisar o que ele disse ou deixou de dizer é quase irrelevante. O que é importante é o que ele representa. "

Algumas pessoas desenvolveram uma tal aversão ao Papa e à Igreja que não só deixam de ouvir mas ainda se acham no direito de atacar.

Infelizmente esta posição não anda longe da dos radicais religiosos quando algum personagem da sua fé é discutida em termos não religiosos.

Quando certos filmes sobre Maria ou sobre Jesus se desviaram da ortodoxia católica, os radicais católicos sairam em defesa da sua religião. Quando se fazem paródias a Maomé ou se fazem certas citações, os radicais islâmicos saiem em defesa da sua fé. Quando o Papa pôs em causa a versão mitificada do julgamento de Galileu pelas palavras de um filósofo agnóstico, os radicais de um certo espírito laico/científico saíram também em defesa da sua fé.

Nos três casos pouco importa saber até que ponto havia razão naquilo que deu origem ao incidente. Nos três casos pretendia-se apenas mostrar que o livre pensamento não se pode meter com a fé das pessoas ou então sofre as consequências.

"Já agora: quem se comportou como a igreja o fez durante séculos não tem direito moral ou intelectual a falar de subtilezas e lançar desafios. Deixam passar cinquenta anos de terem "reabilitado" Galileu e depois a gente fala."

Esta posição é óptima para evitar o diálogo mas não prova que se tem razão. Parece-me mesmo contraditória com o espírito que pretende defender. Já ninguém se lembra de Voltaire?

"Posso não concordar com nenhuma das palavras que dizeis, mas defenderei até a morte teu direito de dizê-las." Voltaire

"É claro que a carta é um panfleto político! desde quendo é que isso é mau? E os actos do Papa, não são actos políticos? Este post não é um acto político?"

Claro que há um debate político. O que eu não esperava é que dentro de uma universidade, a pretexto da defesa da Academia, um grupo de 67 professores estivesse tão pouco preocupado com a qualidade dos argumentos que invoca.

21/1/08 21:10  
Anonymous Anónimo said...

"Posso não concordar com nenhuma das palavras que dizeis, mas defenderei até a morte teu direito de dizê-las." Voltaire

Absolutamente de acordo. Voltaire não disse é que deixava o outro dizer essas palavras em casa dele. O papa tem muitas oportunidades de dizer tudo o que quizer. A liberdade de expressão NÂO está em causa!

O resto fica para amanhã:)

22/1/08 00:10  
Blogger CA said...

"Voltaire não disse é que deixava o outro dizer essas palavras em casa dele."

Ficamos a saber que a La Sapienza é masi propriedade de 67 professores do que de todos os outros?

22/1/08 00:24  
Anonymous Anónimo said...

"Posso não concordar com nenhuma das palavras que dizeis, mas defenderei até a morte teu direito de dizê-las." Voltaire

Tenho de repetir mais uma vez: Ninguém mandou calar o Papa. As pessoas limitaram-se a dizer: se ele vai falar na nossa casa, temos direito a responder-lhe. Foi o Papa que resolveu não ir lá.

Não invocam o direito de resposta quando o papa fala na praça de são pedro.

Como é então possível falar de atentado à liberdade de expressão?

Se não conseguimos chegar a acordo sobre isto, não vale a pena continuar.





PS:
Lá por os outros não se terem dado ao trabalho de assinar, não quer dizer que estivessem contra.

22/1/08 11:13  
Blogger CA said...

On

A citação de Voltaire não tinha tanto a ver com o que se passou em Roma mas com os termos em que colocaste a (não) discussão:

"Já agora: quem se comportou como a igreja o fez durante séculos não tem direito moral ou intelectual a falar de subtilezas e lançar desafios. Deixam passar cinquenta anos de terem "reabilitado" Galileu e depois a gente fala."

22/1/08 12:22  
Anonymous Anónimo said...

CA,
Liberdade de expressão é o direito de manifestar opiniões livremente. Mais nada. Não é o direito a que "respeitem" as nossas opiniões.

Eu entendo que a ICAR não tem credibilidade para falar sobre ciencia. Nâo significa isto que (caso o pudesse fazer, que não posso) gostaria de coartar o direito da ICAR a exprimir as suas opiniões livremente. Significa apenas que não vou perder o meu tempo a debater os seus argumentos.

Algumas pessoas falam muito de dialogo mas fazem-no de má fé. Não acho que seja o teu caso, para que não restem dúvidas. Com essas pessoas não vale a pena discutir.

Falas de não discussão. Sou realmente muito ceptico em relação à utilidade da discussão no confronto de ideias. Absolutistas e liberais degladiaram-se durante decadas no seculo dezanove. Os liberais nunca convenceram os absolutistas de que tinham razão. Morreram todos e os descendentes dos absolutistas deixaram de acreditar no absolutismo.

O papa também não é grande adepto de discussões. Mal viu que seria contestado n'a sapienza, resolveu fazer o paple de vitima e não ir lá. E retirou dividendos.

Alguma vezes quando falo estou mais a marcar um território da forma como os gatos mijam os cantos da casa do que propriamente a discutir. A menos que se criem condições para dicutir. Nesse caso mudo de estratégia e discuto.

Eu falo francamente sobre como me comporto. Algo que o papa deve ter deixado de fazer quando entrou para a escola primaria.

22/1/08 15:41  
Blogger maria said...

não discutam sobre o papa porque é tempo perdido. dediquem-se antes à caça de gambuzinos...

coitadinho do papa. O que é que ele fez desta vez?

abraço aos dois :)

22/1/08 18:54  
Anonymous Anónimo said...

Olá MC:)

22/1/08 19:07  
Blogger CA said...

Olá MC

"O que é que ele fez desta vez?"

Este Papa saiu-me mais divertido do que a encomenda. Esperava um tipo um bocado jarreta mas ele gosta destes jogos e neste caso da Sapienza parece-me que se fartou de marcar pontos.

Habitualmente são os católicos que estão tão convencidos das suas posições que as defendem com pouco cuidado. Neste caso parece-me que foram os laicistas a fazê-lo.

24/1/08 00:09  

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