outubro 01, 2005

Contra a pobreza

Perante as tragédias noticiadas esta semana, a MC no Jardim de Luz questiona:
Como é que conseguimos viver, confiantes nas nossas vidas, aconchegados nas comodidades que a cultura e o desenvolvimento económico nos trazem?
É verdade que todos somos responsáveis pela situação no mundo. Criticar os políticos, por exemplo, é uma forma de nos enganarmos a nós próprios, como dizia de certo modo Sarsfield Cabral no artigo citado no post anterior. Mas o que está na raíz destes nossos comportamentos?

Creio que muitos do nosso egoísmo está associado às nossas inseguranças afectivas, que se transformam em inseguranças materiais. Há muita gente à procura da felicidade onde não a pode encontrar. Ora, quem não está bem, quem não se sente amado, tem dificuldade em amar, em descentrar-se de si, em aceitar correr riscos para que os outros possam viver melhor.

Assim, uma forma de construir um mundo mais justo é ajudar todas as pessoas a serem mais felizes. Para os cristãos a felicidade mais radical vem de Jesus, da sua pessoa, do seu amor e da sua proposta de vida. Daí que nem teria sido necessário que Jesus nos tivesse enviado expressamente a anunciar o evangelho: essa seria a consequência natural de nos sentirmos felizes e amados e de amarmos os outros.

Naturalmente isto não isenta ninguém de uma atenção especial a todos os fenómenos sociais e aos modos de acção sobre os outros e sobre a sociedade que as nossas opções e atitudes têm. Como exemplo, estes textos resultam de uma conferência sobre o tema "Cidadania contra a pobreza" que decorreu em Lisboa na quaresma passada. E, nos últimos anos, a doutrina católica tem apontado para aspectos cada vez mais concretos desta ética social, por exemplo quanto à obrigação de pagar os impostos.

11 Comments:

Blogger maria said...

CA
Concordo contigo. Obrigada.

3/10/05 16:07  
Blogger Vítor Mácula said...

Caros CA e MC.

Esperei um “pouco” antes de comentar esta interpelação. Até porque o que penssinto é problemático (para variar!). Mas aqui vai, em tom talvez polémico talvez um pouco sarcástico. A sinceridade mo “pede”.

O que CA chama a “doutrina católica” é o que emana e dimana do centro Vaticano através de bispos e companhia lda. Ora, historicamente, o que este “centro” tem feito desde o início é aliar-se ao poder vigente logo que este não lhe seja directamente adversário (no que pode tratar-se, “teodiceiamente” falando, da in-falibilidade, isto é, não “deixar cair” a Igreja e mantê-la vigorosa no tempo, mas sendo isto um tema do catorze, calo-me e fico-me pela política rasteira…)
Há umas décadas atrás, apelavam ao respeito pelo “sistema” franquista e salazarista, e só não apoiaram totalmente o hitlerismo porque este lhe era hostil em alguns pontos práticos, assim como o estalinismo foi totalmente renegado e diabolizado porque lhe era directa e totalmente hostil na prática e na teoria, e quanto à América Latina… não sei, penso que basta ler qualquer livreco de História minimamente honesto ou as entrelinhas dos jornais.
Hoje no Ocidente vigora, grosso modo, uma aliança entre a democracia representativa e o liberalismo económico. Não é lugar para analisar a contradição da primeira assim como a cegueira do segundo, para não falar da aliança entre ambos que torna os representantes servidores dos poderes financiadores e vice-versa. Serve isto tão só para dizer que o apelo à não-fuga aos impostos se insere na tradicional colagem da “Igreja” ao poder vigente. O sr. Berlusconi agradece; quanto aos pobres…
A “falta” de meios da segurança social, escolas e hospitais públicos, etc etc etc, não se deve ao “menos dinheiro” da fuga aos impostos.
Não estou a apelar à fuga aos impostos – longe disso, embora tal possa não parecer evidente – mas tão só a… ora bolas!

Quanto ao resto, e sobretudo ao “fundo”, dos posts, totalmente conivente.

Enfim…

Um grande abraço.

4/10/05 15:49  
Blogger CA said...

Vitor

A posição da hierarquia quanto aos impostos pode eventualmente ter essa origem. Contudo, e ao contrário do que acontece com outras posições no campo da moral, neste caso penso que a posição é correcta.

As democracias ocidentais são, apesar de todos os defeitos, os melhores sistemas para assegurar a liberdade das pessoas e a sua participação na vida pública. Este sistema é frágil e precisa de ser protegido. Para isso é essencial que as pessoas se disponham a participar: começando pela informação e discussão pública dos assuntos, continuando pelo exercício do voto e pela participação na vida pública, e chegando ao envolvimento na vida partidária.

Neste contexto cabe aos cidadãos o controlo do estado mas também o seu financiamento. A atitude em relação ao estado de que "pagar o menos possível por todos os meios, legais e ilegais" parece-me imoral, como a daquelas pessoas que não querem pagar o condomínio. Na prática poderia haver taxas mais baixas para todos em vez de serem os que trabalham por conta de outra pessoa a pagar uma fatia desproporcionada.

4/10/05 17:12  
Blogger maria said...

Well, well, well;
se um diz:"Mata", o outro diz:"esfola".
Caro Vitor, falar da Igreja e da sua relação com o poder, durante os largos séculos da sua história, é começar uma longa discussão...
Falar de quem nos governa e do uso que dão aos nossos impostos, é outra, sem fim...
Mas, o que eu, no post que dá mote a estes comentários queria fazer sobressair- é que ninguém está omisso nestas questões. Ninguém, pode dizer-se de consciência tranquila. A redistribuição da riqueza compete a todos.
Andarão por aí algumas almas, que ao lerem os meus comentários, me chamarão de "aluada" e outras coisas provavelmente piores. Que seja. Não o faço, para ser diferente, ou porque caminhe na vida "dois palmos acima do chão". Não. Tenho os pezinhos bem acentes na terra. E, penso que a cabeça no lugar.
Agora, quando penso neste continente que vivemos, a velha e sábia Europa, que nem em questões financeiras se consegue entender. Que não é capaz de "alinhavar" uma Constituição, em que mais ou menos, todos os cidadãos europeus, se revejam e ratifiquem com o seu voto. Que não é capaz de esboçar uma política comum contra o terrorismo, sem virem as velhas querelas ideológicas, etc, etc.

Caro Vitor, quando vejo a "alta" hierarquia da Igreja a pronunciarem-se sobre estas coisas, também "se me soltam umas campainhas" a tocar ferozmente. Eu bem tento disciplinar-me qual "Silas" pecador. É mais forte do que eu. É que, infelizmente, para meu gosto, a nossa Igreja, no caso, a portuguesa, anda demasiado "colada" ao poder. Vou pegar em dois exemplos (batam à vontade):capelões militares e professores de ERMR(?). Em Espanha já começou a "guerra" e cá? O que é que a Igreja tem de dar em troca, para as coisas continuarem como têm estado?

Bem, espero que não seja a isto que chamam:"consciência elástica".

Diz lá, CA, de tua justiça...

4/10/05 17:52  
Blogger maria said...

ops, já tinhas dito. ès mais rápido do que eu nas arte de teclar (ou de pensar)

4/10/05 17:53  
Blogger Vítor Mácula said...

Alô, CA.

Ai, ai… eu bem me “parecia” que não me devia ter metido nesta desgarrada, ou poroutra talvez…

Para haver “equilíbrio” na política, não penso que se deva pensá-la como unívoca, ou seja, que haja uma posição correcta. É na dialéctica entre as várias posições que a política se joga, tanto no sentido estratégico como no sentido dialogal. Penso é que, seja qual for a nossa posição, devemos estar cientes do funcionamento real e efectivo, assim como de algumas ideologias em jogo no xadrez democrático – e não falo evidentemente apenas dos partidos.

Eu penso que a sua posição é correcta, quero dizer, não sou “contra” ela. Não corresponde no entanto à minha. Isto na análise, e não no pagamento dos impostos que cumpro todos os anos.

Penso que quando diz que as “democracias ocidentais são, apesar de todos os defeitos, os melhores sistemas para assegurar a liberdade das pessoas e a sua participação na vida pública”, estará a confrontá-las com outros sistemas políticos da actualidade, e não está a pensar na democracia ateniense ou em Veneza no séc. XVI. Eu faria notar que as democracias ocidentais correspondem à ditadura da política liberal representada em Portugal pelos dois mui excelentes partidos que rotativamente nos “regem” quase desde 1974. Se isto é “vox populi” ou não levar-nos-ia para análises psicológicas, culturais e comerciais que não cabem alargadamente aqui; é também de pensar nos factos, como a tão badalada subida democrática de Hitler ao poder. Ou seja, não é assim tão líquido que o sujeito do predicado “votar” seja o cidadão que lá põe a cruz.

Para que não haja equívocos, esclareço desde já que sou contra todo o tipo de “ditadura”: fascista, comunista, etc etc etc. Criticar um produto na prateleira do supermercado não significa necessariamente apoiar outros. Pode significar uma indicação de que é possível sair do supermercado, mesmo que nunca nenhuma “sociedade” o tenha feito; ou tão só melhorar ou mudar o seu funcionamento.

De qualquer modo eu estava a orientar-me pelo eixo “pobreza”. Ora, tanto a mundial como a nacional, não me parece que esteja a diminuir. Ela progride até, mais ou menos em proporção inversa às riquezas correspondentes. É evidente que isto são generalizações, e que não há resposta universal: o problema do Brasil é um caso, o de Angola outro, o do Irão etc assim como o de X, Y, etc Mas se se trata duma análise dos sistemas económicos e sociais, deve avaliar-se os processos e interesses e “intenções” explícitas e implícitas, e não apenas os discursos e ideias e etc. A pergunta maquiavélica de a que grupo ou entidade a acção ou decisão em jogo dá poder é de rigor.

Como isto já vai comprido, e penso que o essencial já está dito, pelo menos implicitamente, acabo com umas breves notas:

No sistema partidário liberal os pobres não decidem, nem sequer indirectamente, e muito menos controlam o Estado e suas águias diversas; todos os sistemas políticos são frágeis e auto-defendem-se, é precisamente isso que está em jogo; o gesto negativo como não pagar, não votar, não falar em público, etc pode corresponder a um gesto moral de recusa da sociedade da representação, em nome da ilegitimidade representativa (não é a minha posição, note-se, além de que a coloco no seu paroxismo, mas no entanto…); pronto.

Faço notar que dado o “modo” como os comentários aconteceram, foquei apenas notas de discordância ou suspeita, tanto relativamente ao que aqui no seu post e ligações foi dito, como até da democracia representativa e liberal em que vivemos. Isto não significa contraposição, pois que relativamente ao que li e está aqui a ser comentado, como já disse, estou totalmente conivente. E não digo isto para, como se diz, “pôr água na fervura”, esconder oposições etc etc – nada disso faz o meu género. É realmente o que penssinto.

Um abraço.

4/10/05 18:23  
Blogger maria said...

Bem, isto está renhido...
E, eu, já estou a ficar com "urticária" com alguns ecos do sínodo.
Bom feriado para vocês e para quem por aqui passar.
Abraço

4/10/05 18:40  
Blogger Vítor Mácula said...

Cara MC.

Claro que ninguém está omisso, e que a redistribuição das riquezas compete a todos.

Não se trata também, relativamente às questões aqui em jogo, e que dão, como dizes, uma longa e complicada discussão de pôr cabeças em água, dizia eu que não se trata de haver uns maus (os ricos, os poderosos, os bispos, seja o que for…) e outros bons de que alguém seja porta-voz. Eu nem sequer sou radicalmente “contra” a colagem da Igreja ao poder – quero dizer, tenho dúvidas, e o argumento da in-falibilidade que referi, assim como a vontade de Deus não corresponder directamente à dos homens (à minha…) interpela-me. São é precisamente essa interpelações que clamam, e penso que devem ser ouvidas dúvidas e suspeitas, sobretudo as que se fundam no “modelo” evangélico.

E depois, para ser-se bem aluado e ter os pés na terra, temos de tentar ter noção da realidade; ou seja, tentar olhar para ela de frente. É aliás algo que ressalta claramente das acções e dizeres de Jesus nos evangelhos. A eucaristia não remete apenas para o pão espiritual, por assim dizer.

Quanto aos capelões e etc, ou seja, a intromissão e intersecção da Igreja nas instituições dum Estado laico, bem, é novamente conversa para diluir cabeças. Este é um problema eclesiológico e pastoral, e até teológico, muito premente. Porque é evidente que não se trata de estarem cristãos ordenados ou leigos, apenas com o que “trazem vestido”, nos locais institucionais pregando o evangelho. Tratam-se de contratos, compromissos, fusão simbólica de presença, etc. E por outro lado a inter-religiosidade, a salvação não estar restrita ao baptismo católico etc etc etc

Enfim…

E para não nos esquecermos: a pobreza como se encontra no mundo é evidentemente um escândalo cujo clamor de injustiça e crueldade brada aos céus, no sentido literal e religioso dos termos.

Um abraço.

4/10/05 18:54  
Blogger CA said...

MC e Vitor

"não é assim tão líquido que o sujeito do predicado 'votar' seja o cidadão que lá põe a cruz"

De acordo. Mas é nas democracias ocidentais que esta questão se coloca. Nos outros sistemas a pergunta, se fizer sentido, já tem resposta. Agora, para quem vive nas democracias ocidentais, há dois imperativos morais: fazer com que o sujeito seja quem põe a cruz e ajudar a que a maioria das pessoas se oriente pelo amor.

Não partilho da desconfiança em relação à democracia que a hierarquia ainda hoje manifesta de modo sistemático. Mesmo que a maioria não faça as melhores escolhas, não conheço casos em que a imposição de um regime pela força produza a longo prazo resultados melhores do que aqueles que pretendia evitar.

Penso que devia ser um desafio para os cristãos compreender melhor o mundo político em que vivemos, compreender quais as maiores vítimas e procurar os meios de intervir e sensibilizar todos os cidadãos.

Quanto à relação entre a hierarquia e o poder, não deveríamos, antes do mais, observar o exemplo de Jesus? Não resistiu a Igreja aos primeiros séculos a uma perseguição cruel do poder? O que se dá em troca do reconhecimento oficial? Que responderia a hierarquia perante a proposta feita a Jesus em Lc 4,5-8?

Em relação aos professores de EMRC, creio que se trata de uma situação extremamente delicada. Preferia que esta situação não existisse como existe hoje. O facto de o estado pagar salários a pessoas indicadas pela hierarquia acaba por ser uma forma de subsídio. Ora os subsídios criam dependências e a hierarquia já tem dependências que cheguem. O ideal seria que existisse uma educação para as religiões dada a nível mais formal e académico, deixando as questões de fé para as catequeses e grupos de Igreja. Quanto às forças armadas, creio que colocam mais questões do que seria razoável incluir neste comentário.

Abraços.

5/10/05 11:54  
Anonymous Anónimo said...

Bolas! Vai demorar tempo a conseguir "mastigar" tudo o que vocês aqui escreveram!
Que tratados! (não no sentido da quantidade, mas da qualidade).
Isto está a aquecer. Ainda não me sinto capaz de dizer alguma coisa sobre o que aqui escrevem.

Deixa lá MC que eu também estou a começar a ficar com "urticária" quanto ao Sínodo. Espero que tudo o que vai saindo cá para fora não sejam senão boatos sem fundamento.
Para a Mc, para o CA e para o Vitor, um grande abraço

5/10/05 14:51  
Blogger Vítor Mácula said...

Caro CA.

Excelente interpelação neotestamentária a de Lc, 4,5-8! E a força que ela tem, dado ser colocada numa situação de tentação demoníaca! Acrescento-lhe relativamente à “hierarquia”, Mt, 16,22-23., sabendo evidentemente que se refere a “antes” da “confirmação(s)” de Pedro, mas sabendo igualmente que isso não anula a interpelação. É curioso como as interpelações mais pertinentes que se fazem à Igreja (à “hierarquia” e a todos nós cristãos…) têm fonte evangélica.

“O ideal seria que existisse uma educação para as religiões dada a nível mais formal e académico, deixando as questões de fé para as catequeses e grupos de Igreja.”
Totalmente de acordo! E para as livres expressões e diálogos de fé de todos nós cristãos! Aliás, óptimo tema para “discussão”…

Quanto ao “resto” a minha intenção era essencialmente levantar a possibilidade de crítica e análise das democracias representativas e indicar que a “democracia” não se resume à democracia liberal vigente “pelas nossas bandas”, nem no passado, nem no presente, e muito menos (?) no futuro.

E para não nos esquecermos, repita-se: a pobreza como se encontra no mundo é evidentemente um escândalo cujo clamor de injustiça e crueldade brada aos céus, no sentido literal e religioso dos termos.

E por ora e até ver, abraços para todos.

6/10/05 14:16  

Enviar um comentário

<< Home