De África a Cavaco
comecei a entender que capitalismo não é feito apenas com dinheiro, mas também com recursos humanos
Inquirido sobre se não seria "crueldade" deixar sem ajuda milhões de famintos, respondeu assim: "Não é. Se deixar a África lidar com seus problemas sozinha, o continente não vai fracassar ou morrer."
Hoje parece que vai ser anunciada a candidatura à presidência da República de alguém que comandou os destinos deste país durante dez anos. Nestes anos Portugal recebeu enormes ajudas comunitárias em dinheiro, mas eu diria que Cavaco Silva nunca percebeu a frase com que iniciei este post e a crise actual tem muito a ver com isso.
Nos tempos de Cavaco era importante que o dinheiro entrasse da Europa para Portugal e, justiça lhe seja feita, isto já foi positivo. Lembro-me de conversar com um casal italiano na Madeira há alguns anos e de dizer que havia muitas obras mas era só betão. Eles responderam que isso já era muito bom. No sul de Itália os subsídios disponíveis nem sequer eram utilizados, por falta de dinamismo.
Claro que podemos questionar se a falta de cuidado com os custos das obras (se grande parte do dinheiro vinha da Europa, que mal tinha que uma obra custasse o dobro do que devia?) não criou um gravíssimo vício de obras feitas sem pensar e com custos disparatados, que nos leva em linha directa ao poder do lobby da construção civil, aos desequilíbrios orçamentais e a disparates como a Ota.
Mas se o betão entra e fica, mais ou menos caro, com mais ou menos corrupção, o dinheiro mal usado em educação não serve para nada. Quantos cursos de formação de formadores dados a pessoas sem outra habilitação que lhes permitisse tornarem-se formadores em qualquer área? Quanta pressão sobre as escolas para melhorarem as estatísticas que envergonhavam Portugal sem qualquer preocupação de que houvesse formação real dos jovens?
Não tenhamos dúvidas: se a situação orçamental actual ainda pode (em parte) ser atribuída a Guterres, a situação dos recursos humanos, pelos prazos que as políticas levam a ter efeito, é em grande parte da responsabilidade de Cavaco. Também ele acreditou que bastava que o dinheiro entrasse para que Portugal se tornasse um país rico. Mas a formação das pessoas não foi acautelada e hoje afastamo-nos da Europa em vez de nos aproximarmos.
Além desta incapacidade que Cavaco teve de ver o essencial havia também o estilo autoritário. Ainda me lembro muito bem da obstinação em manter a hora legal em Portugal igual à do centro da Europa sem nenhuma justificação credível! Os poucos argumentos económicos (turismo e aviação) eram esmagados pelos da construção civil (que às 8h da manhã não tinha luz para trabalhar) e dos pais que tinham que obrigar as crianças a irem para a escola com noite fechada. Cavaco permaneceu insensível até ao fim e só com Guterres se voltou a uma hora legal mais próxima da natural.
Depois disto tudo compreenderão que a candidatura hoje anunciada me entusiasma tanto como a de Mário Soares, ou seja, nada.
3 Comments:
finalmente de acordo
(embora não exactamente pelas mesmas razões: de facto, estou convencido que o betão ainda foi o melhor sítio para gastar o dinheiro. o dinheiro na formação esse é que se volatilizou totalmente, pois em 99% dos casos a formação foi uma fantochada total, uma burla generalizada em que nada se ensinava e nada se aprendia. foi só dinheiro a correr, mais nada. Poderia ser de outra maneira? não sei. existem muitas questões que agora se podem colocar - parecidas com a que esse economista africano fala - julgo que apesar de tudo o dinheiro vindo de fora teve um efeito marginal benéfico mas muito mais reduzido do que se existisse uma cultura de respeito e de responsabilização)
mas, estou de acordo que os estilo inacreditavelmente arrogante e egocêntrico dos três principais candidatos me leva a ver estas eleições de um modo totalmente neutro (e os outros dois não são melhores); nunca imaginaria que os cinco principais candidatos fossem deste calibre. Enfim, julgo que cada povo tem os candidatos que merece.
Timshell
Realmente no meu post falta esse aspecto que se revela muito importante em todas as áreas da vida económica e social: a "cultura de respeito e de responsabilização".
Quanto à educação penso que dizemos o mesmo: gastou-se dinheiro mas mal. O que eu digo é que isso aconteceu também porque o processo não foi pensado para dar formação mas sim para que o dinheiro entrasse de qualquer modo. Acredito que se a intenção do poder central fosse mais séria poderia ter corrido tudo melhor, mesmo tendo em conta a falta de uma "cultura de respeito e de responsabilização".
Esta feito de todos os recursos disponiveis, inclusive a explotação irresponsavel dos naturais. Isso é capitalismo selvagem (tudo em pro do lucro pessoal)
Enviar um comentário
<< Home