abril 08, 2006

"Hoje estamos muito mais despertos"

Bernhard Häring sobre a situação da Igreja, hoje mais actual do que nunca:
Que ninguém pense que o autor destas linhas é um otimista empedernido que resiste obstinadamente a ver as sombras da Igreja contemporânea ou o lado escuro de sua atuação. Estou perfeitamente consciente desse aspecto e, à minha maneira, procurei colaborar, o máximo possível, em detectar os sinais de fraqueza de nossa Igreja de hoje, tendo sempre em vista a possível cura dessas enfermidades.

Vejo com profunda preocupação como nesta última década do século XX está se tornando aguda uma neurose coletiva, de tipo paternalístico; embora, e felizmente, limitada a uma minoria que, apesar de tudo, exerce uma profunda influência na sociedade.

Esta influente minoria: afligida por uma psicose de medo que beira o neurótico, continua acariciando - intelectual e afetivamente - a velha imagem de uma Igreja depositária exclusiva da verdade ou da totalidade de todas as verdades. Dá a impressão de que dia a dia renova-se nestes âmbitos uma mentalidade de grupos de monopólio, que acham que podem prescindir das legítimas demandas dos consumidores. Isso leva consigo, naturalmente, sérios desequilíbrios nas relações dessa minoria com o mundo exterior a ela; e é lógico que, ao mesmo tempo, influa de modo negativo, chegando a criar uma neurose no próprio interior do grupo. Todos desconfiam de todos, os delatores são recompensados, e sempre há arrivistas dóceis e sem escrúpulos, que medram com as circunstâncias.

É preciso reconhecer que a proliferação do diálogo ecumênico, em todos os seus níveis, abriu caminhos insuspeitados para um entendimento mútuo, no qual, escutando-nos uns aos outros, todos aprendemos de todos. No entanto, há uma minoria, ligada até há bem pouco tempo ao chamado Santo Oficio e profundamente envolvida na nomeação de bispos, que pretende impor a toda a Igreja seus critérios particulares: aos "bons" católicos, que muitas vezes se sentem inseguros e até perplexos, oferece seu monopólio de seguranças, sua verdade absoluta, sobretudo em matéria de moralidade sexual, sem excluir muitos outros campos; mas aos católicos críticos impõe o reconhecimento desse monopólio absoluto em todas as questões tocantes à fé e aos costumes, sob pena de uma sanção disciplinar ou mediante a exigência de um juramento de fidelidade a suas diretrizes. (...)

Mas não convém esquecer que, apesar de tudo, esse grupo é relativamente minoritário, embora, por enquanto, ainda possa parecer que exerce uma notável influência na comunidade eclesial. Quanto mais extremistas forem esses todo-poderosos, menor será o número de seus seguidores.

Apesar de tudo, e precisamente pelo progressivo agravamento desta crise, tenho motivos suficientes para olhar cheio de esperança este primeiro século do terceiro milênio. A dinâmica do Concílio Vaticano II despertará com renovadas energias, precisamente por causa dos excessos desse grupo minoritário, vítima de seus próprios medos, de sua psicose de segurança, de sua embriaguez de poder, que ainda acredita - e agora mais do que nunca - que sua Igreja é uma fortaleza da verdade, submetida ao implacável assédio da crítica. Hoje estamos muito mais despertos do que há vinte e cinco anos, quando terminou o concílio.

Bernhard Häring, A ética teológica ante o III milénio do Cristianismo, in Marciano Vidal, Ética teológica - Conceitos fundamentais, Editora Vozes, Petrópolis, 1999.

4 Comments:

Anonymous Anónimo said...

até podemos estar mais despertos...mas não mais espertos... caso contrario a igreja não seria o "quero,posso e mando" que até agora tem sido...
FORÇ'AÍ!
js de http://politicatsf.blogs.sapo.pt e http://mprcoiso.blogs.sapo.pt

10/4/06 14:01  
Blogger maria said...

CA

Venho por aqui, desejar-te votos de uma óptima Páscoa.

Tudo de bom para ti.
Um Abraço

12/4/06 16:55  
Blogger CA said...

MC

Obrigado. Desejo-te igualmente uma óptima Páscoa e uma pós-Páscoa com muito que dizer no Jardim de Luz.

Um Abraço

12/4/06 18:14  
Anonymous Anónimo said...

Acho graça, que sempre que a Igreja discorda da mentalidade corrente é acusada de prepotencia... Onde é que é o quero posso e mando?

18/4/06 17:41  

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